Lenda
Num pequeno e remoto povo, vivia uma viúva doente com seus dois filhinhos. Infelizmente, esta pobre senhora morreria por causa de muito trabalho e sofrimento. E foi assim, os dois meninos ficaram sozinhos, órfãos, sem um lugar onde dormir nem sequer um pedaço de pão para comer. Mas, um dia, enquanto caminhavam famintos pelo terreno infértil, viram um pardal que voava levando a flor da batata no seu bico. As batatas eram muito cobiçadas e escassas naquele povo, então tiveram uma ideia genial.
— Talvez, se seguimos o pássaro, chegaremos a uma chácara onde há muitas batatas! —, disse o menor deles cheio de entusiasmo.
Se animaram com tais palavras e começaram com sua nova aventura. Somente ignoraram por completo que a Achikay também morava naquele povo. Muitas pessoas a descreveriam como uma velha esfarrapada muito má, pois logo de saber aonde se dirigiam os meninos, decidiu matá-los para ter todas as batatas para ela mesma. Com mentiras chamou-os desde sua casa, eles não suspeitaram nada, eram inocentes demais!
Como os dois meninos tinham fome e era evidente pelas suas expressões faciais, a Achikay sugeriu cozinhar algo, porém primeiro disse que precisava de lenha. A irmã maior ofereceu-se cortar lenha fora da casa porque seu irmão ainda era muito pequeno e não era capaz de fazer essa tarefa. Enquanto isso, a Achikay não podia esperar mais e resolveu matar o menino de uma vez por todas. De súbito, ele começou a chorar porque sabia que era fraco demais para se defender. Aqueles gritos bastaram para que sua irmã voltasse, já que não eram gritos comuns como os de um bebê com fome, eram gritos de socorro, de horror e de pavor. A irmã, vindo que seu irmão estava em perigo, de imediato pegou a pedra mais próxima e a lançou à anciã, colocou seu irmão nas costas e saiu correndo.
Iniciou a perseguição, a criança corria e corria sem mirar atrás, pois não devia cair-se nem soltar seu irmão pequeno, a idosa mulher ia de trás, ela não era tão ágil, mas não tinha que levar consigo outra carga mais que seu próprio corpo. Pouco tempo depois, a irmã maior encontrou-se com um urubu-de-cabeça-preta (um wiskur em quíchua) e pediu para ele:
— Wiskur, por favor, oculte-nos baixo suas asas. — Ele os escondeu.
Logo chegou a Achikay e perguntou:
— Wiskur, você tem visto uns garotos correndo por aqui?
O urubu, supôs que algo ruim estava acontecendo e golpeou tão forte à anciã no rosto com suas asas que ela começou a sangrar. A menina tirou vantagem do momento para continuar fugindo, não sem antes agradecer ao urubu dizendo:
— Terá boa vista e sempre terá comida de sobra. — Desejo da criança que se tornou realidade.
Os pequenos tiveram que continuar escapando, a Achikay ainda não se rendia. Correram e correram até encontrar-se com um puma, o leão das montanhas, que também aceitou defendê-los; quando chegou a velha e indagou pelas crianças, o puma a golpeou tão forte com suas garras que ela acabou no solo. A menina também o agradeceu, esta vez disse:
— Puma, você será o mais valente dos animais. — E ele ainda é.
Mas tiveram que seguir escapando uma vez trás outra. Cruzavam-se com distintos animais e, como jeito de gratidão, adquiriam novas qualidades que até hoje conservam. Como esperado, não todos os animais quiseram ajudar, houve um que não, foi o gambá. Ele negou-se ajudar as crianças em perigo e a menina, que se enfureceu por esse motivo, disse-lhe gritando:
— Tu terás um cheiro fétido para que os caçadores te peguem rapidinho! — Coitado do gambá.
Depois de muito tempo de perseguição e já cansados, as crianças chegaram a uma pampa com abundante vegetação, mas nenhum lugar onde esconder-se. Desesperados, decidiram ajoelhar-se e pedir ajuda ao céu; São Jerônimo, ao escutá-los, fez cair uma corda para que as crianças subam. Finalmente chegaram ao seu lugar anelado, uma chácara de batatas, onde os órfãos são muito felizes até estes dias.
Quanto a Achikay, que também chegou à pampa e viu que as crianças subiam por uma corda, pediu toda clamorosa:
— São Jerônimo, eu também quero subir!
São Jerônimo arrojou uma corda, mas era uma corda gasta, característica que a anciã não percebeu e começou a ascender. A meio caminho notou que um ratinho estava no alto roendo a corda e então disse para ele de jeito ameaçador:
— Ei, rata inútil! Por que comes a minha corda?
Gritos que o rato respondeu de imediato:
— Que chata a senhora! Tô comendo o meu rico pão crocante —, e não deixava de mastigar a corda.
A Achikay, dando-se conta de que ia cair, rogou a Deus que caia na pampa para sair ilesa:
— Sobre a pampa, por favor, sobre a pampa —, exclamava.
No entanto, depois de ver que cairia numa rocha afiada, amaldiçoou aos brados:
— Que o meu corpo se esparrame, que os meus ossos se incrustem na terra e o meu sangue seque as plantas e as ervas! — E tal como disse aconteceu.
Desde aquele momento apareceram os Andes, pois as montanhas que os formam são os ossos da Achikay, as rochas com caras horrorosas são iguais aos repugnantes gestos maldizentes da bruxa quando caiu, e o eco que ouvimos quando gritamos é a voz dessa harpia imitando-nos. Além disso, seu sangue também se espargiu nos vales da costa e nos sopés de alguns cerros, deixando-os desde então áridos para sempre.
Com respeito a terra aonde ascenderam os meninos, agora é conhecida como Taricá, um povo com pessoas que nunca conhecerão a fome porque sobejam as batatas. E São Jerônimo é o padroeiro daquelas terras, pois foi ele quem ajudou aos primeiros habitantes do povo, às crianças protagonistas desta história.
Livro:
Arguedas, J., & Izquierdo, F. Mitos, leyendas y cuentos peruanos. Edición 2011, Lima: Santillana S. A.

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. «Achikay», uma lenda adaptada e traduzida por Pablo Alejos Flores.