A Idade Média atual – Carlos Eduardo Zavaleta

Conto

— Eu tenho vivido na Idade Média por longo tempo — costumava dizer Félix apenas seus amigos sentaram-se ao redor dele, atraídos por sua hospitalidade; fumando, comendo e bebendo de suas mãos, os convidados sorriam sem acreditar-lhe e diziam:

— Impossível, você é muito jovem, teria que ter nascido há séculos.

— Falo sério — replicava. — Há uns vinte anos eu morava na serra peruana; seguindo os passos do meu pai, desde criança eu estava rodeado por criados sob os quais eu tinha absolutos direitos. Um deles, Gregório, quis rebelar-se contra mim; mandei queimar as plantas de seus pés, aí onde as cicatrizes não podem ser vistas. Outra, a cozinheira Chabela, negou-se me mostrar quão profundas eram suas partes e se seu sexo negro e distante falava ou não como uma boca qualquer; ordenei que meteram sapos no seu corpo e a costuraram por vários dias. O terceiro criado guiou-me mal pelas brancas punas de Cahuacona, à meia-noite e sem lanterna, como viajam os homens que não temem o inferno; esperei, e à duvidosa luz de aurora, arremessei-lhe desde um precipício de neve até outro. O quarto riu-se demasiado quando um cachorro me mordeu e cai para o solo; separei-lhe de sua concubina e prendi ela com um cachorro feroz. Enfim, ao quinto o conservei a duras penas, sem demiti-lo, e trabalhava como peão, garçom e mordomo; a poucos anos já se parecia a mim e tinha meus gostos, vícios e vaidades, mas seguia sendo um pobre de dignidade. Essa foi sua recompensa por não me ter contradito em nada.

— Bom, mas agora a serra tem mudado muito! — falou um de seus convidados. — Já não pode cometer essas coisas, são delitos. Os mesmos indígenas lhe denunciariam.

— Tem mudado só superficialmente — respondeu Félix. — Agora mesmo, cada vez que eu me canso de Lima, viajo uns quinhentos quilômetros para o interior e volto à Idade Média, onde conservo algumas propriedades. Na verdade, somente tenho modificado as recompensas. Em vez de queimar seus pés, meter sapos nos seus corpos ou lançá-los desde um precipício, agora os retribuo de outro jeito. Não permito que vão à escola, negou-lhes um bom salário, roubou-lhes o tempo que teriam para pensar, faço-lhes comprar a pior roupa e a pior comida, nunca uma casa ou um bom cavalo, e finalmente, para rematar, não me ocupo deles em absoluto. E quando me canso desses hábitos, volto para esta casa de Lima e ligo o estereofônico, o televisor ou o Betamax, e a cama vibradora, nessa ordem.

— E o que você ganha fazendo tudo isso? — perguntou-lhe uma de suas amigas.

— Eu me divirto realizando meus desejos — disse ele —, é chato demais viver num só século.

Livro:

Zavaleta, C. (2019). La Edad Media actual. Pueblo azul, edición conmemorativa. Huarás: Fondo Editorial ACELA.


Licença Creative Commons

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. «A Idade Média atual», um conto traduzido por Pablo Alejos Flores.

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